A colaboração entre a StB e a KGB

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No site do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários  da Republica Tcheca (em tcheco, Ústav pro studium totalitních režimů) é possível encontrar vários documentos representativos de acordos firmados entre o serviço de inteligência tchecoslovaco, a StB (em tcheco, Státní bezpečnost) e o serviço de inteligência da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a KGB (em russo, Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti ).

Esses acordos estão relacionados com todos os aspectos de cooperação entre os serviços de inteligência das duas nações, incluindo as operações de inteligência. Em seus textos, é possível encontrar vários pontos que tratam concretamente das tarefas e planos relacionados com a América Latina. Também não faltam referências ao Brasil.

O mais interessante, do nosso ponto de vista, é o documento chamado:

Protocolo das negociações entre o Comitê de Segurança do Estado [a KGB] vinculado ao Conselho de Ministros da URSS e o Ministério do Interior [pasta que comandava a StB] da República Socialista da Tchecoslováquia  sobre os resultados e a ampliação da cooperação na coordenação das operações de inteligência e contra-inteligência e sobre a execução em conjunto dessas operações.

Essas negociações sobre esse acordo ocorreram em Praga, nos dias 26 a 30 de junho do ano de 1961. Estiveram presentes, pelo lado soviético:

Chefe do Comitê, camarada Chelepin, A.N; Chefe da 1 Diretoria Central, camarada Sakharovsky, A.M; Chefe da 2 DC, camarada Gribanov, O.M; Conselheiro principal da KGB na Rep. da Tchecoslováquia, camarada Pechehonov, F.W.

Da parte do Ministério do Interior da República da Tchecoslováquia:

Vice-chefe do governo da Rep. da Tchecoslováquia,camarada Barák R; Ministro do Interior, camarada Štrougal L; Vice-ministro do Interior, camarada Kudrna J. e camarada Klíma K; Suplente do chefe do I departamento, camarada Drábek B.; Chefe do II. Departamento, camarada Matoušek V.

Estamos disponibilizando o documento na íntegra no link abaixo e, ao final deste artigo, um vídeo com a tradução dos pontos mais importantes deste acordo.

Protocolo das negociações entre a KGB e a StB

Também estamos publicando os documentos disponíveis nas páginas de internet do instituto estatal tcheco, que tem como fim, por determinação legal, pesquisar e divulgar documentos históricos dos dois períodos de regimes totalitários que governaram a Tchecoslováquia no passado, o nazista e o comunista. Os documentos são de acesso público, segundo as leis da República Tcheca.

Importante destacar que  acervo do Instituto é composto por documentos históricos com autenticidade atestada pelas autoridades do governo tcheco.

Com base nos acordos constantes no citado documento, segundo as negociações dos dois serviços de inteligência, conclui-se que ambos atuaram e cooperaram no continente sul-americano. Incluindo o Brasil.

Além disso, apresentamos ainda um documento procedente de uma das pastas da StB, disponibilizada pelo arquivo do serviços de inteligência, a ABS (em tcheco, Archiv bezpečnostních složek), em Praga. Trata-se, concretamente, da pasta de objeto com número de registro 80960, elaborada pela seção responsável pela América Latina, mais precisamente a subseção Argentina. Nessa pasta, encontra-se a correspondência trocada entre a central do serviço de inteligência em Praga e a sua rezidentura (base do serviço de inteligência no estrangeiro) em Buenos Aires, que trata da cooperação entre as “nações amigas”, ou seja, cooperação com os serviços de inteligência dos países socialistas, entre eles, o serviço de inteligência civil da URSS, a KGB. Tal pasta registra fatos do ano de 1961 até o ano de 1964. Na subpasta dedicada à cooperação com a KGB, encontramos uma nota sobre as negociações com os “amigos soviéticos”, ocorridas em Praga; sob a nota está a data de 15 de julho de 1961.

Documento com registro 80960.

Nesse documento de quatro folhas, são novamente mencionadas as teses contidas na “Nota sobre as negociações…”, citada acima; mas, aqui se trata de uma especificação mais detalhada sobre as atividades de inteligência acordadas durante as negociações, relacionadas exclusivamente com a América Latina. Nesse caso, a pasta argentina é uma prova de que não se tratava somente de acordos pontuais feitos em Praga entre funcionários do alto escalão dos dois governos, mas sim de que esses acordos foram depois enviados para as diferentes rezidenturas no continente americano, para que fossem aprimorados – nesse caso, pela rezidentura do serviço de inteligência tchecoslovaco em Buenos Aires. Não há dúvidas de que, essas mesmas instruções mais genéricas foram enviadas também para a rezidentura no Rio de Janeiro, assim como para os postos restantes do serviço de inteligência da StB no continente. Isso foi em razão tanto do conteúdo desses documentos, como também da lógica da questão. A primeira frase do documento chamado Tarefas da seção 2 do departamento I do Ministério do Interior, originadas das negociações com os representantes do serviço de inteligência soviético, ocorridas em Praga, já aponta irrefutavelmente para a essência das atividades dos serviços de inteligência:

É necessário introduzir agentes nas instituições mexicanas, brasileiras, argentinas e nas demais instituições latino-americanos, que mantêm relações com os EUA e com as suas embaixadas, com o objetivo de revelar os planos e atividades dos EUA nesses países.

Outra tarefa importante era reforçar e defender a Revolução Cubana; para isso, os serviços de inteligência deveriam inspirar e organizar discursos de ativistas importantes, organizar manifestações, publicar artigos, editar folhetos etc. Ou seja, está bem claro que, neste caso, tratava-se de criar artificialmente a impressão de que toda a América Latina era progressista e apoiava decididamente Cuba.

Além disso, também era uma tarefa importante fomentar o movimento antiamericano nos países da região, ou seja, organizar movimentos que certamente possuíam os seus apoiadores reais, mas, que provavelmente, não seriam capazes de existir da forma como existiram sem o apoio com dinheiro e sem a criação de organizações estruturadas com uma combativa militância.

Isso demonstra que os serviços de inteligência trabalharam ativamente, juntos, na tentativa de fazer com que a América Latina se tornasse decididamente antiamericana, para causar a forte impressão de que havia uma simpatia a tudo aquilo que fosse comunista ou socialista. Para isso também serviam as campanhas de desinformação, organizadas pelos oficiais dos serviços de inteligência da Tchecoslováquia e da União Soviética. As vítimas dessas campanhas de desinformação eram geralmente políticos ou diplomatas dos EUA.

Vladimír Petrilák

 

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