Na antiga sede do serviço secreto comunista da Tchecoslováquia

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Cardeal Dominik Duka

No dia 17 de abril de 2018, em Praga, no mosteiro dos Cavaleiros da Cruz com Estrela Vermelha (ordem medieval católica), prédio também conhecido como Museu da Ponte Carlos, foi realizada uma conferência dedicada a história, organização e ações do serviço secreto comunista da Tchecoslováquia. Mas por que justamente ali?

O organizador deste evento, a associação civil Centro de Documentação de Regimes Totalitários, não escolheu esse lugar ao acaso, pois foi justamente ali que durante os anos 60 do século XX, o Diretório I da StB instalou a sua sede. A conferência foi aberta pelo primaz tcheco, cardeal Dominik Duka e pelo grão-mestre da ordem, Josef Šedivý, que lembrou a história da ordem católica (fundada no ano de 1233), os difíceis anos da ocupação alemã e os do terror comunista, períodos em que os irmãos da ordem foram perseguidos por ambos regimes totalitários. O prédio do mosteiro foi confiscado da Igreja em abril de 1950, no âmbito da Ação K, quando a StB iniciou a liquidação de todas as ordens da Igreja Católica na Tchecoslováquia de então.

Entrada do mosteiro dos Cavaleiros da Cruz com Estrela Vermelha.

O complexo de prédios da ordem tornou-se assim a sede do serviço civil de inteligência e, durante a conferência, seis oradores, grandes especialistas sobre o assunto, falaram aos numerosos participantes sobre a organização e ações da StB. O diretor executivo do Centro de Documentação de Regimes Totalitários, Peter Rendek, apresentou aos participantes da conferência a disposição de cada uma das seções (diretórios) do serviço de inteligência pelo complexo de prédios do mosteiro; o historiador Jan Kalous falou sobre a carreira de um dos chefes da StB, funcionário da inteligência por muitos anos, Bohumír Molnár – Motejlek.  Martin Slávik, historiador da Eslováquia, avaliou o perfil moral dos funcionários comunistas da inteligência, demonstrando que os mesmos empregavam uma moralidade dupla. O membro da Câmara dos Deputados tcheca e antigo diretor do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários, Pavel Žáček, mencionou, entre outros, Ladislav Bittman, que, em uma tentativa de acerto de contas com a sua consciência, pelo seu passado de espião comunista, buscou na pintura de quadros uma certa redenção.

Quadro de Bittman, a Ponte Carlos e o mosteiro.

Pavel Žáček chamou a atenção de que vários quadros de Bittman representam paisagens de Praga, nos quais é possível ver com frequência o complexo do mosteiro. A característica destes quadros de Praga é que neles não existe nenhuma pessoa – Talvez esse seja um modo de fazer as pazes com o passado? – O pesquisador Radek Schovánek, em sua palestra, lembrou de que nos documentos da StB era empregada a prática de registro de dados, que eram contrários as diretivas, mas, graças a falhas como essa é possível identificar dados que, se não fossem por esses “erros”, seriam difíceis de decifrar. Trata-se especificamente da identificação dos, assim chamados, agentes-ilegais, ou seja, os mais secretos colaboradores da StB. O último orador foi o historiador Petr Blažek, que descreveu detalhadamente a atuação da StB e do serviço de inteligência durante os anos 1980-1984 no âmbito da chamada Ação Norte, que foi uma grande operação da StB contra a resistência polonesa, e principalmente contra o movimento Solidariedade (movimento anticomunista na Polônia). Tratava-se de uma ação em larga escala em apoio aos comunistas poloneses pró-soviéticos e contra as aspirações de independência da oposição polonesa. Quando Petr Blažek falou sobre o plano da StB de ampliar o alcance de sua propaganda no âmbito desta ação também no campo da América Latina, citou as nossas pesquisas demonstrando esperança de que, talvez, descubramos algo relacionado ao tema.

Capela no subterrâneo do mosteiro.

Durante a pausa entre os dois blocos de palestras, pudemos visitar um lugar especial: uma capela subterrânea onde, em agosto de 1968, foram aprisionados três oficiais do serviço de inteligência que não concordaram com a ocupação soviética durante a Primavera de Praga. Os apoiadores dos soviéticos nas fileiras do serviço de inteligência aprisionaram os chamados reformistas sob a mira de armas de fogo. Certamente a situação dos aprisionados, dois oficiais do regime comunista, foi difícil, ainda mais pela mística de seu local de confinamento, uma capela católica, e por não saberem se sobreviveriam. Ao final tiveram suas vidas preservadas, mas foram expulsos do serviço de inteligência.

A conferência, a qual inclusive o cardeal Duka nos honrou com a sua presença, foi muito bem organizada. O conteúdo das palestras fez com que os participantes mergulhassem no dia-a-dia do trabalho do serviço de inteligência comunista e também na vida de alguns de seus funcionários e oficiais. Além disso, ouvindo as palestras, foi possível conhecer pelo menos um pouco o genius loci do prédio do mosteiro, que, durante os anos 60, serviu de quartel-general para o serviço de inteligência comunista da StB.

Vladimír Petrilák

O cana de TV tcheco PRAHA TV fez uma reportagem sobre a conferência realizada no prédio do Museu da Ponte Carlos, em Praga.

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