A KGB, a StB e a… SB

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         Certamente nossos leitores já se depararam em nossos artigos com as informações  sobre as atividades da KGB soviética e da StB tchecoslovaca em território brasileiro,… pois bem, agora chegou a hora de escrever um pouco sobre a SB polonesa. A SB, por extenso, a Służba Bezpieczeństwa (Serviço de Segurança) foi um órgão de segurança estatal vinculado ao Ministério do Interior (Ministerstwo Spraw Wewnętrznych) da República Popular da Polônia. Funcionou de 1956 até 1989 e foi o sucessor da UB (Urząd Bezpieczeństwa Publicznego – Agência de Segurança Pública, nomenclatura de 1944/1956). A tarefa da SB era essencialmente a de defender o regime comunista na Polônia. Em outras palavras, foi uma polícia política do período totalitário que controlava e vigiava a população. Além disso, uma de suas unidades era o Departamento I, a quem competia as atividades de inteligência no exterior. Esse é o departamento que mais nos interessa…

            Segundo os documentos existentes nos arquivos do IPN (Instytut Pamięci Narodowej – Instituto da Memória Nacional da Polônia)* a SB também atuava no Brasil, o codinome da sua rezidentura (base no estrangeiro) no Rio de Janeiro era “SANTOS”, que esteve ativa de 1954 até 1962. Antes deste período, desde 1952, havia um oficial seu no Brasil que se ocupava de questões de contra inteligência. A partir de maio de 1957, o  residente foi o major J.J. de codinome “FLOR”.

Fragmento do documento: Varsóvia, 15 de setembro de 1962 – secreto.

          No curso de nossas pesquisas, encontramos um documento de 15 de setembro de 1962 dedicado à avaliação de trabalho deste oficial da rezidentura, onde podemos ler que, em abril de 1957, o major J.J. (no documento consta o nome completo) foi enviado para trabalhar na rezidentura “Santos” e que ocupou oficialmente o cargo de adido da Legação da República Popular da Polônia até a data de 4 de julho de 1962.

Tradução: Avaliação do trabalho do funcionário da rezidentura “SANTOS”.

          Nesse mesmo documento está escrito, entre outras coisas, que: …No trabalho do major J. devem ser diferenciados dois períodos: o primeiro, de 1957 até 1959, ou seja, até o momento de regresso ao país por motivos de férias, o seu trabalho se caracterizou principalmente na aquisição de informações políticas e econômicas do Brasil. Por este período, o trabalho do major recebeu, então, uma avaliação positiva. Também existe a informação de que: … o major J. com base na agentura [rede de agentes – nota do autor] existente (recrutou, entre outros, o agente de codinome “EDO”) e nos contatos de informação possuídos, deveria concentrar-se na aquisição de dados sobre a política dos EUA, Inglaterra, França e RFA” [República Federal da Alemanha – nota do autor]. Segundo o documento, “…a realização desta tarefa não trouxe os resultados esperados porque a coleta de dados sobre os países acima citados (com exceção de informações sobre pressão dos EUA exercida sobre países da América Latina) era irrealizável. Neste sentido, o Brasil é um tipo de província política e os acontecimentos europeus chegam até aqui com um certo atraso.  

          A instrução da Central de nr. 7/B, do dia 20 de setembro de 1961, continha novas diretrizes de nosso trabalho, que focava principalmente na construção de uma rede de apoio de agentes, levando em conta principalmente a busca por pontos de endereço e de candidatos com o potencial de aproximação com os EUA.

Fragmento do documento descrito neste artigo.

          Na folha seguinte, podemos ler que “FLOR”:

          Recrutou os agentes “EDO” e “AMARO” e adquiriu alguns contatos de informação. “EDO”, sob a orientação do major J., escreveu um livro sobre questões alemãs, (…)

          Forneceu [trata-se de “FLOR”- nota do autor] toda uma série de informações atualizadas de caráter político e econômico, principalmente uma fotocópia de um sigiloso plano brasileiro de perspectivas econômicas sobre as tendências de desenvolvimento de todas as regiões do mundo para os próximos 20 anos, que foi [o plano – nota do autor] aproveitado não somente para a elaboração de análises da Seção XI do Departamento I, como também foram elaboradas informações para os amigos soviéticos.

          Forneceu toda uma série de características e conexões operacionais, que por certos motivos não pudemos desenvolver e foram entregues a título de informação e para  eventual aproveitamento aos amigos soviéticos.

          Trabalhou corretamente com a rede de colaboradores (4-6 em diferentes períodos), os quais, sob sua direção, adquiriram habilidades e experiência no trabalho de inteligência. Aqui merecem destaque: “KORCZAK” e “JULIUSZ” [provavelmente trata-se de cidadãos poloneses – nota do autor] (…).

                                                                 Chefe da Seção IV do Departamento I, major J. S.

Registro do agente EDO na linha 11.

          A rezidentura no Brasil deixou de existir quando o major J. regressou ao seu país em julho de 1962. Foi decidido que as informações por ele reunidas sobre potenciais candidatos a agentes  fossem entregues ao serviço de inteligência soviético para eventual aproveitamento. Em novembro do mesmo ano, os documentos da rezidentura “Santos” foram enviados ao arquivo. Mas Isso não significa que, após esse fato, o serviço de inteligência da Polônia comunista nunca mais tenha atuado de alguma maneira no Brasil. Ainda publicaremos mais sobre o assunto.

                                                                                                Mauro “Abranches” Kraenski

* AGRADECIMENTO: Gostaríamos de agradecer ao pesquisador do Instituto da Memória Nacional polonês, Witold Bagieński, que nos enviou algumas informações procedentes de seu livro que está em vias de ser publicado, intitulado: Wywiad cywilny Polski Ludowej w latach 1945-1961 (O Serviço de inteligência civil da República Popular da Polônia nos anos 1945-1961), onde é feito um breve relato sobre as atividades do serviço de inteligência comunista polonês no Brasil.

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6 thoughts on “A KGB, a StB e a… SB

  1. Ao escrever no Code name da página do ABS o nome VIENE encontramos Gil Roberto Fernando de Ouro Preto, diplomata brasileiro e embaixador brasileiro na Tchecoslováquia entre 1959 e 1960 durante o governo de Juscelino Kubitschek.

    Ao escrever em Last name (title) ALVARENGA encontramos o nome de Fernando Nilo de Alvarenga, diplomata brasileiro que serviu na embaixada do Brasil na Alemanha durante o governo de Getúlio Vargas e que foi posteriormente embaixador na Tchecoslováquia entre 1954 e 1959 durante o governo de Café Filho. Isso pode confirmar a denúncia feita no livro Diplomatas e Espiões em que os americanos denunciam Alvarenga como espião.

    Escrevendo em Name ISOCRATES encontramos a figura de lsócrates de Oliveira, diplomata brasileiro e embaixador do Brasil na Tchecoslováquia entre 1960 e 1961 durante o governo Juscelino Kubitschek.

    Escrevendo em Last name (title) CAVALCANTI encontramos a figura de Leonardo Marques de Albuquerque Cavalcanti, diplomata brasileiro que foi embaixador do Brasil na Tchecoslováquia em 1966 durante o governo Castelo Branco e que cursou a Escola Superior de Guerra em 1972 durante o governo Médici.

    Talvez seja interessante olhar esses nomes.

    1. Papirante,

      Já sabemos sobre esses casos e estamos escrevendo sobre eles. Obrigado por se interessar.

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