Che Guevara é provavelmente um dos mais famosos revolucionários do século XX. Sua foto icônica é uma das imagens mais conhecidas do mundo. E entre os episódios revolucionários de sua vida, ele passou alguns meses em 1966 por uma vila do serviço de inteligência nos arredores de Praga.
* Transcrição da entrevista dada à Rádio de Praga pelo Dr. Prokop Tomek, doutor em história pela Universidade Carolina de Praga – Tradução StB no Brasil.
O argentino graduado em medicina tornou-se famoso quando se juntou a Fidel Castro e o ajudou na derrubada do corrompido regime de Batista em Cuba. No rescaldo da revolução de 1959, Che Guevara recebeu uma série de missões, o que significava na prática controlar e administrar a economia cubana. Uma dessas funções foi, no cargo de presidente do banco central, assinar as novas notas de dinheiro com apenas seu apelido, “Che”.
E foi nessas circunstâncias que Che Guevara começou a fazer um tour pelo mundo, incluindo a Tchecoslováquia comunista, onde se reuniu com economistas e especialistas designados para ajudar Cuba em seu novo caminho socialista. Muitos deles tchecos e eslovacos.
Mas é uma outra viagem para a Tchecoslováquia, ocorrida tempos mais tarde e sem as cerimónias e as recepções oficiais, que será o nosso destaque da semana. Che Guevara já havia renunciado a todos os seus cargos oficiais em Cuba e estava de volta à sua jornada revolucionária. Em 1965, ele foi para o Congo, em meio a várias revoltas contra o presidente Mobutu Sese Seko. No final daquele ano ficou claro que não havia apoio suficiente para uma revolução mais ampla e um Che Guevara desencorajado havia se entregado a uma disenteria e à asma aguda. Ele passou algum tempo em Dar Es Salaam [na Tanzânia] e estava relutante em voltar para Cuba. Em vez disso, optou pela Tchecoslováquia. O historiador Prokop Tomek estudou a breve e misteriosa estadia de Che Guevara na Tchecoslováquia e conta essa história:
Che Guevara veio a Praga para encontrar um abrigo, um lugar escondido, provavelmente para uma estadia de quatro meses, porque ele estava planejando alguma maneira de viajar de Cuba para o Terceiro Mundo. Então, foi apenas uma curta passagem em um lugar que poderia ajudá-lo a se recuperar para a luta revolucionária.
Esta viagem entre março e julho de 1966 não foi a sua primeira viagem à Tchecoslováquia ou Praga, foi?
Não foi. Ele esteve em Praga vários anos antes como líder de uma missão oficial do governo cubano. Ele se reuniu com o chefe de Estado antes disso e teve outras experiências com pessoas da Tchecoslováquia que foram a Cuba como especialistas que poderiam ajudar a economia cubana. Eu acho que a pessoa mais interessante entre esses especialistas foi Valtr Komárek, que era bastante famoso em 1989 como economista comunista muito progressista. Outra pessoa importante que conheceu Guevara em Cuba foi František Kriegel, ele foi um dos integrantes do movimento de reforma de 1968 e um dos principais defensores da Carta 77.
E as relações entre a Tchecoslováquia e Cuba, a Cuba de Fidel Castro, elas eram bem próximas, não eram? Havia muitos acordos, havia conselheiros, e havia também conexões entre os serviços de inteligência e de segurança também?
Sim, houve muitas conexões entre a Tchecoslováquia e Cuba na primeira parte da década de 60. A Tchecoslováquia forneceu muitas armas para a revolução cubana e um apoio econômico bastante significativo e amplo. Uma das maneiras mais interessantes de como o regime tchecoslovaco ajudou Cuba foi a assistência à inteligência, por exemplo, a formação de pessoas do serviço secreto cubano. Havia também a operação Manuel, sob a qual guerrilheiros revolucionários cubanos eram transportados de e para Cuba. Eles tinham treinamento em Cuba e viajavam para a Tchecoslováquia e depois para a América do Sul para disseminar a luta e o movimento revolucionários.
Foi nestas circunstâncias que Che Guevara chegou em Praga, eu acho que ele tinha um passaporte falso como a maioria dessas outras pessoas, e ele esperava continuar desde Praga após a sua estadia …?
Devo dizer que não temos informações diretas sobre a estada de Che Guevara na Tchecoslováquia e é muito interessante que ele tenha ficado aqui sem o conhecimento do serviço de inteligência tchecoslovaco. Durante sua estadia, ele esteve aqui incógnito. Ele possuía um passaporte falso, mas isso era bastante comum para todos os guerrilheiros revolucionários que viajavam a Cuba via Praga. Eles costumavam usar passaportes falsos. Não sabemos exatamente quando ele chegou, o dia de sua chegada, e quando e para onde ele viajou desde Praga.
Isto é bastante estranho de certa forma, porque ele ficou numa vila cerca de 20 quilómetros a sudeste de Praga, que era de fato propriedade do serviço de inteligência [tchecoslovaco]?
Sim, era uma casa muito especial onde os agentes secretos, colaboradores, eram treinados para suas missões no exterior e servia para algumas estadias curtas dos estrangeiros, membros de serviços de inteligência aliados. Tais pessoas também poderiam ser hospedadas pelos cubanos no país sem a ajuda direta ou o conhecimento do serviço de inteligência. É estranho… e talvez Guevara não tenha sido a única pessoa que passou tanto tempo na Tchecoslováquia e talvez também tenham vindo outras pessoas conhecidas.
O governo tchecoslovaco só soube oficialmente sobre a visita quando Fidel Castro fez um contato oficial a respeito, aparentemente porque ele pretendia colocar uma placa de homenagem na vila após a morte de Che Guevara?
Sim, foi provavelmente a primeira informação sobre essa estadia, fornecida por Fidel Castro, e o serviço de inteligência tchecoslovaco se opôs à ideia de colocar ali alguma placa ou aviso de que Che Guevara havia se hospedado ali porque era uma casa do serviço de inteligência. Essa informação se manteve secreta nos arquivos do serviço de inteligência tchecoslovaco até 1989 [redemocratização].
Sobre a localização desta vila, ela é uma aldeia a 20km de Praga, não há muito lá e é difícil imaginar o que Che Guevara fazia ali… Há uma hipótese de que ele estava doente no momento, queria se recuperar de alguns problemas por que passou na África. Caso contrário, não há muito lá …
Havia outros cubanos, alguns guias e outras pessoas que o acompanhavam. E havia alguns tchecos… Eu conheço um caso, um especialista que havia conhecido Che Guevara anteriormente em Cuba e durante uma viagem a Praga foi seu guia, levou-o aos pubs de Praga, por exemplo. Mas eu só sei sobre esse homem a partir do testemunho de outras pessoas, porque esse homem morreu há muitos anos.
Eu li em uma autobiografia do famoso espião britânico, Kim Philby, que parece que também esteve em Praga por algumas semanas antes de finalmente fugir para a União Soviética. Então, eu me pergunto o quão frequente Praga era usada como uma espécie de passo a ser dado para terminar a carreira, um lugar onde os agentes eram interrogados antes de serem levados talvez para Moscou. Você conhece outros desses casos?
– Sei apenas do homem que matou Trotski no México. Na década de 1960, ele passou algum tempo em Praga, também em alguma casa ou apartamento conspirado que era propriedade do serviço de inteligência. É talvez um caso semelhante. E também havia outra pessoa interessante, um homem que era cidadão austríaco e ajudou o serviço secreto tchecoslovaco a sequestrar Bohumil Laušman, que era um político tcheco asilado, foi sequestrado na Áustria em 1953 e morreu na prisão Ruzyně na década de 60. Esse agente foi transferido para a Tchecoslováquia no final da década de 60, passou o resto de sua vida no país em um apartamento em Praga e chegou a passar um feriado nessa casa em Ládví, a mesma casa onde Che Guevara esteve.
Revigorado e recuperado após a sua estadia tcheca, Che Guevara estava pronto para retomar sua missão revolucionária e, depois de uma breve viagem de despedida a Cuba, rumou para um dos países menos desenvolvidos da América do Sul, a Bolívia.
O movimento revolucionário no sul montanhoso teve um começo promissor, mas Che Guevara logo viu que o apoio dos camponeses era tímido, o partido comunista local era difícil, e o exército boliviano – apoiado pelo serviço de informação da CIA, não era fácil como ele esperava. Ele e seu exército de farrapos foram logo encurralados nas montanhas com um Che Guevara ferido e capturado. A ordem foi dada para que ele fosse executado no dia seguinte, 9 de outubro de 1967. Ele tinha apenas 39 anos. A lenda estava pronta para nascer, embora os historiadores ainda contestem o seu verdadeiro legado.
Bela história desse legítimo revolucionário !saudades de Che !!!!
É quase inacreditável a imensa teia de conexões revolucionárias pelo mundo. Poucos foram os agentes históricos com tamanho grau de coesão orgânica.