É interessante a descrição das características do colaborador ideológico recrutado de codinome “Veselý” nos documentos da inteligência tchecoslovaca: “possui consciência de classe e oferece a garantia de que nunca trairá a classe operária. Durante a ocupação [nazista] odiava os alemães e, nos dias da revolução [comunista], participou da prisão de fascistas tchecos, que eram apoiadores dos alemães.”
Assim foi caracterizado o novo colaborador ideológico, ou seja, agente de categoria IS (abreviação tcheca IS para ideospolupracovník), Oldřich Limburský, codinome “Veselý”, recrutado no Brasil no dia 20 de março de 1954. Ao contrário da prática normal, não houve tempo de adquiri-lo ainda na Tchecoslováquia, já que a sua viagem para o Brasil aconteceu de repente. Como era membro do Partido Comunista da Tchecoslováquia desde o ano de 1946 e não existiam dúvidas quanto a sua dedicação ao ideal comunista, na StB predominava a convicção de que o seu recrutamento seria somente uma mera formalidade. E foi assim que o camarada Jiří Treml, o residente da StB no Rio de Janeiro, realizou, sem dificuldades, em uma praia, a aquisição deste funcionário da empresa Jablonex.
Ao contrário do que possa parecer, o aspecto ideológico também era uma questão importante no trabalho da inteligência tchecoslovaca. Isso só mudou um pouco nos anos 60, quando a inteligência tomou um rumo bem mais pragmático, mas mesmo assim, as questões ideológicas continuaram a cumprir um papel importante. O colaborador ideológico “Veselý” cooperou com o serviço de inteligência da StB de 1954 até 1971. A inteligência comunista avaliou o seu trabalho como sendo dedicado e útil e, ao contrário de muitos outros agentes, cumpriu bem as suas tarefas. Nos relatórios, os oficiais da inteligência escreveram inclusive que ele era um dos melhores colaboradores da StB entre as fileiras de cidadãos tchecoslovacos que trabalhavam no Brasil.
Tratava-se de um colaborador ideológico, ou seja, membro do Partido Comunista da Tchecoslováquia que, pela sua colaboração com a StB não era remunerado financeiramente; no máximo, recebia algum pequeno presente, como por exemplo, uma garrafa de champagne. Chamava-se Oldřich Limburský (pasta de registro nº. 40342); era funcionário da empresa Jablonex, conhecida mundialmente, da qual foi representante comercial no Brasil. Durante a sua segunda estadia no Brasil, foi vice-cônsul em São Paulo.
A avaliação (pela StB) de seu trabalho foi positiva até o final da colaboração e foi um dos agentes mais úteis e eficientes.
Uma prova de que os arquivos ABS (Arquivo dos Serviços de Segurança, em tcheco: Archiv bezpečnostních složek) não mentem e de que o agente “Veselý” (alegre em tcheco) realmente esteve no Brasil está aqui: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:VRQN-4R9 – é o registro de Limburský feito pelas autoridades brasileiras de imigração.
O fato de não ter sido remunerado financeiramente não significa que não recebia vantagens por colaborar com a inteligência da polícia secreta da Tchecoslováquia. Ao final do ano de 1960, segundo um dos relatórios da StB, pediu ao seu oficial condutor na Tchecoslováquia que interviesse junto a StB para que esta agisse em seu favor perante o Comitê Provincional do Conselho Nacional. Tratava-se de receber um talão que permitisse a compra de um automóvel. A intervenção, segundo o relatório, foi finalizada com sucesso e Limburský tornou-se um feliz proprietário de um carro.
Mas, a sua felicidade não durou muito: pouco tempo depois, seu único filho morreu afogado e ficou-se sabendo que a sua esposa estava mortalmente doente…
Mesmo tendo uma carreira comercial de sucesso e sendo um diplomata e espião, não é possível afirmar que teve uma vida feliz. Ao final de sua carreira de espião-diplomata, teve problemas com o álcool e com a sua saúde. Sofria de ataques de dor de estômago ao final de sua estadia em São Paulo; inclusive foi parar no hospital, mas recusou a possibilidade de ser operado por médicos brasileiros e preferiu voltar a Tchecoslováquia para tratamento. Por causa de sua condição de saúde e pelo fato de que a rezidentura da StB no Brasil ter sido liquidada, a sua pasta foi enviada para o arquivo. Limburský não figura nas pastas do II Departamento; isso significa que ele, apesar de disponibilidade e utilidade, não continuou uma colaboração com a polícia secreta comunista no território da Tchecoslováquia. Talvez, por motivo de saúde, isso não fosse possível.
O agente “Veselý” foi descrito nos relatórios como sendo uma pessoa inteligente, capaz de cumprir tarefas para o serviço de inteligência e inclusive de realizar recrutamentos em território estrangeiro. Ficou registrado que conhecia bem os idiomas português e espanhol. Foi frisado que era uma pessoa amigável, sincera e honesta. Às vezes era demasiadamente audacioso no trabalho de inteligência e o oficial condutor tinha que lhe avisar para que estivesse mais atento aos princípios de segurança e conspiração.
Além das informações sobre a morte de seu filho e a doença de sua esposa, em sua pasta também é possível ler que antes de uma de suas viagens ao Brasil, por sua própria iniciativa, procurou um funcionário da inteligência tcheca e ofereceu os seus serviços, que certamente seriam necessários e úteis à StB. O oficial ficou impressionado e anotou as palavras que Limburský disse em 1968: “Viajarei em julho para São Paulo, por isso estou me colocando a disposição novamente. Eu não posso acreditar que agora todos estejam dando as costas para vocês (tinha em mente o Ministério do Interior – pasta a qual a StB era subordinada); pois aqueles que são honestos devem continuar a colaborar.” Aqui é necessário esclarecer algo sobre essa, digamos, “cena comovente”: Primavera do ano de 1968, na Tchecoslováquia ocorria uma “abertura política”, a chamada “Primavera de Praga”. O Partido Comunista da Tchecoslováquia se aproximava das pessoas, reformava ideias ruins, até mesmo os serviços de inteligência desejavam reformar-se. O Ministro do Interior Josef Pavel pretendia reformar a StB para que não fosse mais uma polícia secreta odiada, mas sim, um órgão útil para o estado tchecoslovaco; em suas propostas de reforma, foi tão longe que pretendia subordinar o serviço de inteligência ao governo e ao controle parlamentar, o que naqueles tempos era algo impensável. Mas, ainda “pior”, foi que no serviço de inteligência da StB houve um questionamento dos princípios de subordinação deste serviço para com a KGB soviética. Começou-se a falar e escrever quase que abertamente sobre os erros e crimes que a StB cometeu ao longo de sua história. Foi justamente nesta época que Limburský, como bom comunista, sem questionar o passado, fez a sua oferta para a StB.
Vladimír Petrilák
Mais um excelente artigo. Parabéns.