Operação TRUST, a mãe de todas as operações de desinformação

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Tudo começou com um pequeno grupo de antigos funcionários e oficiais tzaristas. Em 1921, estes senhores fundaram em Moscou uma estrutura secreta com um pomposo nome de Organização Monárquica da Rússia Central. (…) discutiam sobre os bons e velhos tempos e sonhavam com a volta da dinastia dos Romanov.

É assim que começa o artigo do historiador polonês Piotr Zychowicz, publicado na revista Do Rzeczy, edição nº 22/275 de 28 de maio a 3 de junho de 2018, dedicado à operação “Trust” (confiança).

Estamos falando daquela que, segundo muitos afirmam, foi a mais incrível, a mais famosa, a “mãe”, enfim, a “nata” de todas as operações de desinformação já realizadas. Uma verdadeira obra prima das ações de serviços secretos.

Félix, o Sanguinário.

O artigo descreve como o serviço secreto bolchevique, ao invés de deter imediatamente os apoiadores da monarquia deposta, tiveram a perspicácia necessária para aproveitar a oportunidade e infiltrar-se em sua organização, com a intenção de assumir o seu controle e guia-la de acordo com os seus objetivos. O sucesso da operação foi tal que deve ter inclusive superado as expectativas de seus próprios autores. Falando em autores, segundo o artigo de nosso historiador, não está claro quem teve a ideia de realizar a operação. Vários nomes são apontados por diferentes historiadores; entre eles, o próprio criador e chefe da Cheka (polícia secreta na Rússia Soviética, durante os anos 1917-1922), Félix Dzerjinsky, que graças ao seu papel na máquina de terror revolucionária recebeu apelidos como “Félix de Ferro”, “O Carrasco Vermelho” ou “Félix, o Sanguinário”. O que se sabe é que a operação teve início com a aquisição – nos seguintes termos: ou colaboração ou uma bala na nuca! Serenamente optou pela primeira e passou para o lado dos vermelhos – de Aleksander Jakuchev, antigo oficial tzarista e membro da mencionada organização monárquica, a qual chamaremos, daqui por diante, de MOCR (iniciais do nome da organização: Monarchiczieskoje Objedinienije Central’noj Rossii – em cirílico, Монархическое объединение Центральной России, МОЦР). Daí em diante, segundo o autor do artigo, tudo ficou fácil e, paulatinamente, os verdadeiros membros idealistas da MOCR eram eliminados e substituídos por pessoas plantadas pela polícia secreta que acabou dominando totalmente a organização através de seus oficiais e agentes. Nem mesmo sua carta de princípios juntamente com todo o seu programa escaparam: foram reescritos e elaborados por funcionários da Lubianca (em cirílico, Лубянка, assim era popularmente chamada a sede da Cheka em Moscou), documentos que eram, é claro, repletos de anticomunismo radical.

Lubianca, em Moscou.

Mais adiante, o autor do artigo escreve que, com os líderes e representantes fictícios da MOCR já devidamente plantados pela polícia secreta, a etapa seguinte foi levar a operação para o exterior. Todo o “teatro” era dirigido por Dzerjinsky e pelo grupo especial de operações que ele criou, direto da Lubianca, sob a direção do inteligente oficial da Cheka, Artur Artuzov. O artigo explica que enquanto isso, os agentes Iuri Artamonov (um emigrante ativista recrutado) e Jakuchev viajavam pela Europa, encontrando-se com os líderes dos emigrantes russos, convencendo-os com ludibrio sobre a importância da MOCR, sobre sua grande força como organização de oposição contra os bolcheviques, com uma potente rede que alcançava toda a Rússia soviética, onde milhares de patriotas russos lotados em importantes pontos nevrálgicos, em repartições públicas, fábricas, forças armadas e até no Kremlin, estavam se preparando para um golpe com o objetivo de “restaurar a antiga ordem”; mas havia um problema, eles precisavam urgente de apoio da emigração branca. Os oposicionistas russos emigrados morderam a isca e, além de abrir as portas para os “grandes combatentes contra o bolchevismo”, revelando-lhes todos segredos da oposição na emigração, ainda entregaram aos “representantes” da MOCR grandes somas em apoio financeiro, que em realidade serviram para encher os cofres da polícia secreta bolchevique.

Carregando o caixão no funeral de Félix Dzerzhinsky (da esquerda para a direita), Mikhail Kalinin, Trotsky, Lev Kamenev e Stalin.

A história da operação é longa (segundo o artigo, durou até o ano de 1927); entre outras coisas, graças a operação “Trust”, os bolcheviques foram capazes de se infiltrar e prejudicar seriamente o serviço de inteligência da Polônia, a famosa Dwójka (que em polonês “dois”, referindo-se ao Departamento II), como também, em maior ou menor grau, serviços de inteligência da Estônia, Finlândia, França, Tchecoslováquia, Romênia, Grã-Bretanha e de vários outros países. Além disso, prejudicou seriamente a autêntica oposição ao bolchevismo, levando à prisão e/ou a neutralização de verdadeiros oposicionistas.

Aqui, talvez valha a pena citar por completo o final do artigo de Piotr Zychowicz:

A “Trust” tornou-se o orgulho das posteriores gerações de chekistas. Uma operação padrão que era analisada durante os treinamentos dos futuros funcionários dos aparelhos de segurança soviéticos. Na prática, foi ainda repetida várias vezes, em variantes cada vez mais complexas. E quem sabe, se até hoje ainda não é usada?

Com base em nossas pesquisas, sabemos que tanto a SB polonesa (abreviação de Służba Bezpieczeństwa – Serviço de Segurança), assim como a StB tchecoslovaca, realizaram operações que tiveram inspiração na operação “Trust”. Esta operação pode ser considerada, sem sombra de dúvias, como a “mãe” da desinformação empregada pelos serviços de inteligência comunistas.

Mauro “Abranches” Kraenski

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5 thoughts on “Operação TRUST, a mãe de todas as operações de desinformação

  1. Magnífico trabalho! A Mão de Deus ajudou a trazer a tona a Verdade. Entendi que Kraenski chegou aos arquivos tchecos por acaso. Trabalhava como guia no Memorial e Museu Auschwitz-Bikernau, o antigo campo de concentração nazista na Polônia, interessando-se pela história do país. Deparou-se com informações erradas sobre os soviéticos no contexto polonês e decidiu buscar informações em relação ao Brasil. Procurou na Polônia, contudo, foi encontrar material mesmo na República Tcheca. A seguir, continuaram investigando e revelando…

  2. Pode ser pedir demais, até porque isso pode envolver direitos autorais, mas, vocês poderiam traduzir toda a matéria da revista para que possamos ter detalhes da operação?
    De qualquer maneira, muito obrigado pelo vosso trabalho investigativo. Acompanho-o desde 2014.

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