No lado esquerdo da ilustração, temos um exemplo de documento da CIA divulgado pela própria Agência de Inteligência na sua página de internet (https://www.cia.gov/library/readingroom/search/site/ ). Estes documentos (um total de aproximadamente 13 milhões de páginas), que já estavam disponíveis há um certo tempo em quatro computadores na sala de leitura do Arquivo Nacional em Maryland, a partir de agora, estão disponíveis ao acesso de qualquer um através da internet. No lado direito, por sua vez, temos o exemplo de um dos documentos procedentes das pastas do serviço de inteligência comunista tchecoslovaco (Departamento I da StB), não publicado na internet, mas acessível para qualquer pesquisador sem qualquer restrição na sede do Arquivo (ABS) em Praga, no Instituto de Memória tcheco (ÚSTR). Enquanto os americanos, inclusive 50 anos após os acontecimentos descritos no documento, ocultam dados sensíveis, os tchecos – de acordo com a lei e as decisões do Tribunal Constitucional – não ocultam nada.
É claro que há um grande diferença, a qual precisar ser apontada enfaticamente – enquanto Praga divulgou documentos do serviço de inteligência comunista da StB (inclusive da inteligência militar) que servia a um país estrangeiro, em nome da divulgação da verdade sobre o passado comunista e anti-democrático, os americanos estão publicando dados de um serviço de inteligência que cometeu erros, mas que durante todo o tempo esteve subordinado ao controle de uma democracia; um serviço de inteligência que nunca trabalhou em prol de um regime totalitário. O serviço de inteligência da Tchecoslováquia comunista, na verdade, estava subordinado somente ao Partido Comunista da Tchecoslováquia; à sua frente, formalmente, estava o Ministro do Interior, mas na realidade as tarefas eram determinadas pelo único partido político (comunista), que exercia o poder e, além disso, não servia aos seus cidadãos, mas sim à União Soviética. Certamente é possível falar muito bem e muito mal sobre a CIA, mas que nunca essa serviu para reforçar o poder de um único partido em nome de uma ideologia anti-democrática. Sem dúvidas, é possível criticar várias atividades da CIA, que possam ter ultrapassado os limites daquilo que lhe era permitido por lei. E isso foi feito, tanto pela imprensa como pelas instituições democráticas competentes. A CIA, durante toda a história de sua existência, sofreu críticas e julgamentos. Por outro lado, os serviços de inteligência comunistas não estavam subordinados a nenhum controle democrático, até o final de 1989; durante toda a sua história, nem a imprensa, nem órgãos democráticos (os quais não existiam) no mundo comunista, ousavam escrever sobre a StB ou questionar e controlar o seu trabalho. É claro que podemos falar sobre certas formas de controle interno, punições contra brutais métodos de investigação efetuados pela StB na época do “Degelo de Kruschev” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Degelo_de_Kruschev) e, até mesmo sobre a tentativa de reforma no ano de 1968, mas estas foram exceções que não têm muito a ver com os métodos normais de verificação que funcionam no mundo da democracia ocidental. Simplesmente não é possível comparar axiologicamente as condições de atuação da CIA e da StB (e mesmo da KGB ou de qualquer outro serviço de inteligência do bloco comunista).
Com base nas pastas dos arquivos americanos divulgados, não temos como saber em concreto sobre os agentes ou os funcionários da inteligência, nem os mecanismos de trabalho da agência; podemos conhecer somente as avaliações, análises e observações. Mesmo assim, é uma fonte de informação bem valiosa, graças à qual o nosso conhecimento sobre acontecimentos históricos importantes pode ser ampliado e enriquecido. Em nossas pesquisas sobre o Brasil e a América Latina, podemos então aproveitar as fontes americanas como uma leve demonstração dos segredos do serviço de inteligência de um país, que no território da América do Sul, também era considerado pela StB como o “inimigo principal” e que era o alvo mais importante das atividades dos espiões tchecoslovacos e seus colaboradores latinos. Por isso, essa fonte, mesmo estando em uma forma parcial, é para nós de um valor inestimável.
Nenhuma pessoa de raciocínio mediano duvida que a CIA tenha operado no Brasil (e certamente continua a fazer isso) e, como podemos encontrar em parte do arquivo disponibilizado muitas informações que descrevem acontecimentos no Rio de Janeiro ou Brasília, deve-se reconhecer que a agência provavelmente tinha este território relativamente bem penetrado. Somente o estudo sobre os documentos disponíveis demonstrará qual era o grau dessa penetração. Para nós é muito interessante que os documentos americanos descrevam os mesmos acontecimentos dos anos 50 e 60 (em nossas pesquisas não nos concentramos nos anos posteriores, já que a StB encerrou seu trabalho operacional ofensivo no Brasil em 1971) pelos quais o serviço de inteligência tchecoslovaco também se interessava. Ainda falta a divulgação de uma fonte importante – pois, por enquanto, ainda não existe acesso aos materiais que se encontram nos arquivos russos. Ao menos, com base nos documentos tchecoslovacos, sabemos que o serviço de inteligência soviético também atuava ativamente no Brasil nessa época – principalmente a partir do ano de 1961, quando foram reatadas as relações diplomáticas entre o Brasil e a URSS.
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